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Lulih Rojanski

Mulherio das Letras Indígenas está entre os finalistas do Prêmio Jabuti 2023

Álbum Guerreiras da Ancestralidade concorre na categoria Fomento à Leitura e traz poemas de escritora indígena amapaense.



Foi divulgada nesta terça-feira (21/11), pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), organizadora do Prêmio Jabuti, um dos mais importantes prêmios literários da língua portuguesa, a lista dos finalistas da sua 65ª edição. O resultado final com os vencedores das 21 categorias será anunciado no dia 05 de dezembro em uma cerimônia realizada no Theatro Municipal de São Paulo.

Este ano, dentre os 5 finalistas da categoria Fomento à Leitura, destaca-se um trabalho importantíssimo para a produção da literatura de origem indígena no Brasil, o livro Álbum Biográfico Guerreiras da Ancestralidade do Mulherio das Letras Indígenas (org. Evanir de Oliveira Pinheiro).

Na entrevista a seguir, conversamos com a escritora amapaense Cláudia Flor D'Maria, que tem dois poemas inseridos no Álbum Guerreiras da Ancestralidade, que vai falar um pouco sobre o projeto do Álbum, seus poemas e a importância da indicação ao Jabuti para a literatura indígena no Brasil.


Entrevista


O Zezeu: Parabéns pela indicação ao Prêmio Jabuti 2023, Cláudia. É uma honra conversar com você sobre o livro Álbum Biográfico Guerreiras da Ancestralidade e seus poemas. Como surgiu a ideia/convite de participar do livro organizado pelo Mulherio das Letras Indígenas?

Cláudia Flor D'Maria: O Coletivo Mulherio das Letras Indígenas é composto por mulheres indígenas de todo território brasileiro, que vivem em contexto aldeado ou urbano. Nossa liderança e fundadora é Eva Potiguara-RN escritora, poeta e professora doutora em educação. Eu passei a integrar o Mulherio a convite da parenta Bruna Karipuna. Ela também faz parte do Álbum, assim como a Lúcia Tucuju. A ideia do Álbum Biográfico Guerreiras da Ancestralidade nasceu do desejo de mostrar para sociedade brasileira, que as mulheres indígenas, também produzem literatura escrita além da oral. E que nossa literatura é potência, força e que veio para descolonizar a escrita de nossos narrativas indígenas, pois ela está livre das amarras do colonizador, dos cânones clássicos,  uma vez que nela o leitor encontrará resistência, coragem, vida, mas também a dor por termos nossos territórios devastados e invadidos, por garimpeiros e outros  empreendimentos que prejudicam a população local, ou seja, a luta de nossos povos pela preservação e proteção de  nossa mãe terra, com também  por  reconhecimento  de nós, povos indígenas como filhos da terra e primeiros moradores desse território brasileiro. Tudo isso está  presente na nossa escrita. Portanto, nossa escrita é regada à preservação dos saberes culturais de nossos povos, à busca pelos nossos direitos à cidadania e a proteção da mãe terra. Uma vez que é dever de todos nós sermos guardiões de nosso lar, o planeta terra.  Todos precisamos ter essa consciência urgentemente. O planeta está doente e quem o adoeceu fomos nós, os humanos. As alterações climáticas estão aí para provar que temos que cuidar melhor da terra, ela precisa ser curada.


O Zezeu: Quais são os dois poemas que você tem inseridos na obra e qual é o tema de cada um deles?

Cláudia Flor D'Maria: No Álbum tenho 2 poemas: Substrato das Flores, cujo tema é a terra,  as cores da terra e, claro, o substrato da floresta que também a compõe. E Castanheira, que traz o tema da nossa cosmologia indígena e a o leite da castanheira que nos nutre, nos alimenta.


O Zezeu: Como foi o processo de escrita e revisão dos seus poemas? Você teve alguma inspiração ou referência literária?

Cláudia Flor D'Maria: Substrato das Flores é inspirado na Amazônia, nas cores da terra. Na composição da Amazônia, nas margens dos igarapés, nas cores das  terras  e nas suas águas, pois são nos igarapés que vemos a vida, nas águas e as cores, a terra em seus barrancos. É lindo ver as raízes das árvores abraçando a terra para não caírem nas águas. Mas quando a terra cai é para cair nos braços do igarapé para deitar no corpo do igarapé. E isso é lindo demais. Os substratos da floresta e de nosso povo indígena, ribeirinho e povos da floresta estão aqui na nossa Amazônia, assim como nossas dores de viver lutando para preservar a Amazônia e viver na Amazônia. Quando escrevi Substratos das Flores eu usei as cores da Terra  também para dizer que somos povos diferentes, mas todos somos um só povo, uma só nação: A Amazônia.  

Cantar e louvar a minha aldeia é uma de minhas maiores alegrias. Sou grata aos meus ancestrais indígenas e ribeirinhos, por ser quem eu sou: Uma mulher Indígena Itaquera/PA e Tucuju/AP, porque nasci neste solo onde os espíritos de meus ancestrais descansam. Por isso essa terra é sagrada. Eu sempre honraria as vidas de todos os meus parentes indígenas, que deram a vida para eu e muitos outros estarem aqui pisando e vivendo neste solo chamado Amapá. E isso nunca pode ser esquecido. Os tucujus vivem em nós.

Agora, eu lanço uma pergunta ao leitores da revista, mas em especial para os universitários/pesquisadores: Vocês acham mesmo que nenhum tucuju, sobreviveu aos ataques? É claro que tivemos sobreviventes! Sempre há. Resistir é uma das coisas que aprendemos muito cedo. Parta dessa hipótese. E comece a pesquisa. Ou vocês acham que muitos não fugiram em razão dos ataques para outras aldeias e formaram novas aldeias ou se integraram a outros povos indígenas ou não indígenas?  Eis uma pesquisa que os acadêmicos devem fazer e as universidades devem e podem fazer.

Não colaborem mais com o processo de apagamento e silenciamento, que a própria academia e o colonizador nos impuseram e nos impõem até hoje. Todos os povos indígenas que aqui estão Tucuju, Palikur, Karipuna, Wajãpi, Aparai, Tiriyó,Galibi do Oiapoque, Galibi Marwono, Wayana, Zo’é, e Katxuyana são sobreviventes dos ataques coloniais. E isso jamais deve ser esquecido.  

É urgente que o poder público nos veja e crie políticas públicas que nos garantam permanecer na cidade, em Macapá, para prosseguirmos os nossos estudos. Sim. Nós estamos aqui. E precisamos trabalhar e estudar. Precisamos ter acesso aos nossos direitos. Hoje somos mais de 400 indígenas que saímos das aldeias e moramos na capital: Macapá. Mas infelizmente não somos vistos pelo poder público como deveríamos _ cidadãos _ para vivermos dignamente na cidade. Poucos têm a oportunidade de serem alocados em um emprego de carteira assinada.

Então posso dizer que tudo isso está presente na minha escrita literária. Eu vivo em vários mundos. Esses mundos me ajudam a escrever. O contexto da Amazônia, do meu Itaquera, do meu território Amapá, da minha Macapá e do país são minha inspiração. O Ser Humano é minha inspiração. Minha gente é minha inspiração. A literatura também é denúncia. É amor. É dor. É revolta.  Afinal a literatura é uma das artes que expressa as ações e atitudes humanas, por meio da lavra da palavra.

Castanheira foi inspirado na cosmologia de nossos ancestrais do povo Tefé, que vive no Médio Solimões, no Amazonas, e também na nossa irmã árvore castanheira. A castanheira que assim como a figura feminina, mulher, alimenta com o leite a sua cria, a castanheira também alimenta todos os seres animais, inclusive o humano, com o leite saboroso que vem do seu fruto. E isso é maravilhoso. É poético. É vida.


O Zezeu: Como você define o seu estilo poético e quais são as características que marcam a sua voz literária?

Cláudia Flor D'Maria: Agora, tu me pegaste! como falamos por essas bandas de cá da Amazônia _ . Meu estilo poético!?  Não sei definir, não! Vou deixar essa resposta para os críticos literários. Todavia, se algum dia um crítico literário me enquadrar em um estilo gostaria, que ele falasse que minha escrita pertence a vários mundos, porque eu não ando sozinha, por isso levo comigo várias vozes, dos mundos visíveis e não visíveis aos olhos humanos. Levo comigo as vozes de meus ancestrais indígenas, ribeirinhos, caboclos e também da periferia das cidades, da mulher indígena, da mulher não indígena e de tantos outros seres que se entrelaçam comigo em minhas jornadas nestes mundos, por onde caminho.  Como já mencionei anteriormente a vida, a Amazônia, o humano, o meu povo indígena e ribeirinho são minhas inspirações.  E acredito que a minha escrita reflete esses mundos.


O Zezeu: Qual é a importância de valorizar e divulgar a literatura de origem indígena no Brasil, especialmente a produção das mulheres indígenas?

Cláudia Flor D'Maria: Acredito que estamos vivenciando, um momento de retomada de nossos territórios indígenas não só no Brasil, mas no mundo. E quando falo de retomada de território significa dizer que não estamos reivindicando somente nossos territórios enquanto terra, nossos lares, nossas moradias nas aldeias, mas também os territórios da literatura e outros campos das artes e do trabalho.

Mas a nossa retomada do território da literatura torna-se um grande marco para a literatura brasileira e para nós, povos indígenas, porque a nossa literatura já existe há mais de 523 anos, ou seja, muito antes de o colonizador invadir nossas terras, e ela foi silenciada, apagada durante todo esse tempo por esse colonizador. Mas eles esqueceram de uma coisa: nós somos pássaros e sementes, por isso voamos e nascemos seja onde for, nas condições mais adversas, porque somos resistência. Agora, as nossas narrativas, nossa cosmologia, nossos saberes culturais e nossas línguas (aquelas que sobreviveram às brutais invasões), estão presentes em nossas narrativas. Então dar visibilidade à literatura escrita por nós, indígenas é oportunizar as vozes de nossos povos a ensinar ao não indígena que podemos viver com a mãe terra e seus elementos em harmonia. Portanto, podemos cuidar uns dos outros, somos todos filhos da terra. A escrita da mulher indígena é de resistência à violência contra seus territórios, à destruição das florestas, mas também é regada do amor que nossas encantarias nos permitem sentir e viver, aos nossos cantos e as nossas crenças e pajelanças do nosso sagrado. Assim, dar visibilidade à literatura da mulher indígena é dar voz à uma ancestralidade que caminha com a mãe terra há milhares de anos: A vida.


O Zezeu: Como você vê o papel do Prêmio Jabuti na promoção e reconhecimento da literatura indígena no país? Você acha que há um aumento da visibilidade e do interesse do público leitor por esse tipo de literatura?

Cláudia Flor D'Maria:  O Prêmio Jabuti é, sem dúvida, muito importante para todos nós, escritores brasileiros. Todavia, para nós, escritores indígenas, têm uma conotação que vai além da simbologia de estar entre as melhores obras já publicadas no país. O evento tem um significado de liberdade da escrita e de reconhecimento e valorização de  nossos saberes culturais ancestrais indígenas pela sociedade que muitas vezes não nos vê. Infelizmente, muitos ainda têm no seu imaginário colonizado que só estamos nas aldeias, mas não, estamos na cidade buscando por melhores condições de vida para ajudar nosso povo. Somos também cidadãos e temos direito a ter acesso aos nossos direitos garantidos na Constituição: Direito à educação, saúde, moradia, educação e todos os outros. Como já mencionei anteriormente nós estamos em um momento de retomada de territórios. Logo, estamos ocupando territórios que antes nos impediram de entrar, como por exemplo nas escolas e a própria academia de Letras (ABL). Hoje temos o Ailton Krenak como o primeiro escritor indígena Imortal. Então, sim, temos público para nossa literatura indígena. Na verdade, sempre tivemos, mas ela não era contada por nós, pois Iracema de José de Alencar, Juca Pirama de Gonçalves Dias, Macunaíma de Mário de Andrade, são exemplos disso. Mas quem tiver curiosidade a esse respeito pode ir pesquisar. Deixarei para os universitários de Letras essa dica.


O Zezeu: Como você avalia o cenário atual da literatura indígena no Brasil? Quais são os principais desafios e oportunidades que os escritores e escritoras indígenas enfrentam?

Cláudia Flor D'Maria: Hoje considero o cenário para literatura indígena um solo fértil e promissor. Entretanto, o maior desafio a ser enfrentado é o mercado editorial. Hoje somos poucos escritores indígenas a ter uma editora, que nos possibilite publicar nossas obras e assim entrar no mercado e concorrer com grandes editoras. Mas como disse: somos Resistência, não desistimos da vida e de nossos saberes. Quanto às oportunidades, creio que a maior parte delas está nas redes sociais, e nos eventos literários que ocorrem no Basil e no exterior, sejam eles on-line ou presencial. Outras oportunidades que não podemos perder são os editais que promovem a literatura, temos que inscrever nossos projetos nesses editais. Portanto, fiquem atentos a tudo isso. Sou grata à Deus e, claro, aos meus caruanas por poder fazer da minha escrita a voz dos mundos que caminho.


O Zezeu: Quais são os seus projetos literários futuros? Você pretende publicar um livro solo ou participar de outras coletâneas?

Cláudia Flor D'Maria: Estou com um livro solo em andamento que será lançado em junho de 2024. Ele será voltado para o público infantil. Ele pertence ao gênero textual poesia. Não posso dar maiores detalhes por questões contratuais. Mas está ficando lindo! O que posso falar é que será lançando em São Paulo por uma das grandes editoras do país. Estou com 3 livros solos em andamento, 2 deles para o público infantil, um poema e outro um conto, e o terceiro para o público adulto que também é de poesia. Vamos decidir com a editora o melhor momento para publicação dos outros dois. Mas, recentemente, publiquei mais uma coletânea com minhas parentas Amada Simpatia, Eva Potiguara, Lúcia Tucuju, Nôra Pimentel e Vanessa Guarani. É um livro de contos infantis, que foram inspirados na nossa cosmologia e também no nosso bem viver com a mãe terra: Contos Indígenas de Pindorama, pela editora  Amare.


O Zezeu: Quais são os seus autores e autoras indígenas favoritos e que você recomenda para quem quer conhecer mais sobre a literatura indígena no Brasil?

Cláudia Flor D'Maria: Minha maior inspiração e exemplo de literatura são duas mulheres fantásticas, e que são as responsáveis por eu ter gosto pela literatura: Minha avó, Maria e minha mãe, Alaíde. Quando elas contavam as narrativas e falavam poemas para mim eu ficava fascinada, "mundiada". Minha avó, hoje tem 110 anos e continua me ensinando a ser forte. Ela já não fala mais os poemas e a as histórias. A escola me ensinou a escrever literatura como técnica da escrita, mas em casa eu aprendi  literatura na sua fonte, na oralidade. Assim, minha avó e a minha mãe foram as minhas primeiras sábias. Depois conheci outros sábios da literatura e da vida: Cacique Raoni, Davi Kopenawa, Ailton Krenak, Daniel Munduruku, Márcia Kambeba, Eliane Potiguara, Eva Potiguara, Lúcia Tucuju, Márcia Mura e Sony Fernseher. Entretanto, é importante ressaltar que também bebo na fonte de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira,  José de Alencar, Machado de Assis, Cecilia Meireles, Fernando Pessoa, Fernando Canto, Alcinéia Cavalcante, Manuel Bispo, Paulo Tarso, Carla Nobre, Joãozinho Gomes, Zé Miguel e muitos outros.


O Zezeu: Por fim, qual é a mensagem que você gostaria de deixar para os leitores e leitoras do livro "Álbum Biográfico Guerreiras da Ancestralidade"?

Cláudia Flor D'Maria: Permitam-se escutar os nossos cantares e nossas narrativas. Ouçam as vozes de nosso povo indígena. Gratidão por nos permitirem fazer parte da jornada de vossas vidas.


Poemas





Baixe o Álbum aqui:


Saiba mais:

Conheça um pouco mais da escritora Cláudia Flor D'Maria. Acesse: https://www.ozezeu.com/cl%C3%A1udia-almeida


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