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O macaco

Luíz Horácio

Não foi nada. Não passou de barulho. Nada. Foi o que sobrou dentro do armário de louças da cozinha. A partir do barulho nos vimos sem um prato, sem um copo, sem objetos quebráveis. Sem um objeto quebrável que não estivesse quebrado.
Tudo se deu quando Thamara, no esplendor de seus quatro para cinco anos decidiu escalar o armário. Faltou combinar, faltou a aquiescência do gigante de aço que mostrou sua discordância jogando-se por cima de minha filha. A sorte foi o tamanho, ou melhor, o tamanho da sorte foi a pequena estatura da menina. O armário não alcançou seu objetivo,  interrompido pela pia da cozinha. Agachada sob o vão que se formou com o armário, Thamara, levemente assustada.
Não foi nada. Foi. Foi sim. Foi barulho. Barulho sim, mas sem grito.
- O que você queria?
- Subir
- Pra quê?
- Pra chegar lá em cima.
- E depois.
- Descer
- Por que não me chamou? Eu levantaria você.
- Eu sabia, mas queria fazer diferente. Não sabia que o negócio ia desabar.
E agora?
- Agora o quê?
- Onde eu vou comer minha comida e beber meu suco?
- Vamos sair e comprar algumas coisas.

- Antes deixa eu contar o sonho que sonhei essa noite. Sei que você não gosta que lhe contem sonhos, mas desse você vai gostar. Posso?
Foi assim: você era um macaco.
-Eu?
-Sim.
- Então foi esse sonho que motivou a escalada do armário da cozinha, entendi. Eu um macaco, e você?
-Eu era a dona do macaco. O macaco era bonzinho, andava solto pelo apartamento, um dia minha mãe foi levar o lixo e o macaco, você, fugiu. Fiquei muito triste pois todos os dias eu levava meu macaco à praia.
-Você não foi mais à praia, é isso?
-Só por que o macaco tinha sumido?
-Mas o macaco era eu, quer dizer que se eu sumir agora você vai continuar numa boa?
-Cara eu estou contando um sonho, um sonho com um macaco, que no sonho era você, é diferente.
-Minha cabeça estava no corpo do macaco, como eu era, quer dizer como era esse macaco?
-Pai, que vergonha!! Você não consegue se imaginar como macaco?
Escolhe o macaco que você quiser. Posso contar o sonho?
Daí o tempo passou, eu continuava fazendo sempre as mesmas coisas, até que um dia...um dia...eu estava tomando banho e me dei conta que é muito chato fazer sempre as mesmas coisas. Foi por isso que ele foi embora. Dei um grito no banheiro, alto, tão alto, que minha mãe veio ver o que tinha acontecido.
-Aí você passou a fazer tudo diferente, deixou de ir à praia.

-Tá maluco? Continuei indo à praia, mas ia por ruas diferentes, um dia ficava ali em frente a Figueiredo, no outro ia para o posto seis, de vez em quando Leme.
-E quem levava você?
-Eu ia sozinha.
-Com esse tamanho.
-Era um sonho, cara, era um sonho.
-E o macaco? Quem era seu pai?
-Meu pai era meu pai, mas ele não aparecia no sonho.
-E o macaco?
-Tá preocupado com o macaco ou com você macaco? Egoísta.
-Termina essa história, precisamos sair para comprar uns pratos, uns copos.
E aí...
-Aí eu acordei, cara, não sei se o macaco voltou. Será que o sonho volta de onde parou?
-Muito sem graça.
-Cara eu estava contando um sonho, vai dizer que seus sonhos sempre têm fim, duvido. Eu acordei e fiquei pensando...pensando e descobri porque os sonhos nunca têm fim. Não vai perguntar por quê?
-Por quê?
-Por que a gente não deixa. A gente não gosta do fim das histórias. Quer ver? Eu sei que você vai morrer primeiro que eu, velhinho...bem velhinho, mas eu não vou ver você morto, não vou querer saber de velório, enterro, você é o meu macaco, um dia você foge.

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