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Porque é preciso ter coragem para ser mulher

Silvio Carneiro

Coragem é um substantivo feminino. Como também é um atributo deste gênero. Porque seu significado, remete à ideia de uma moral forte diante do perigo, dos riscos; remete à bravura; firmeza de espírito para enfrentar situações emocionais ou moralmente difíceis. Os antigos acreditavam que a sede da coragem não era na cabeça, mas no coração - daí a palavra derivar do latim coraticum (literalmente, "próprio do coração"). E quanta coragem é necessária ainda hoje para ser mulher! Quanta disposição moral lhes é exigida diante dos perigos, dos riscos de ser mulher! Quanta bravura lhes é exigida diariamente; quanta firmeza de espírito para enfrentar situações difíceis como preconceitos, abusos físicos e psicológicos, abandono, etc.!

Neste ano de 2023, a 21ª Festa Literária Internacional de Paraty - Flip, homenageou Pagu, a corajosa jornalista, dramaturga, poeta, tradutora, cartunista e crítica cultural Patrícia Rehder Galvão, que defendeu em suas lutas estéticas e políticas a coragem da mulher que enfrenta a força plena (e bruta) representada por instituições que regulamentam a vida, a arte e as liberdades de todos. E o espírito de Pagu se espalhou por toda a Flip, uma das edições mais diversas em raças, gêneros e linguagens.

Dentre os vários frutos que brotaram nesta 21ª Flip, destaca-se a coletânea de contos Imagens de Coragem (Patuá; 2023), organizada por duas mulheres de coragem, as escritoras e jornalistas Isabella de Andrade e Tatiana Lazzarotto, que reuniram um time de outras 41 corajosas escritoras - algumas convidadas, como Marcela Dantés, Morgana Kretzmann e Vanessa Passos e outras selecionadas - abordando o tema da coragem nos seus mais diversos aspectos.

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O livro de 361 páginas é a primeira coletânea do projeto Elas na Escrita, das organizadoras, e foi lançado na programação da Casa Gueto, reduto da editora Patuá e outras 22 editoras independentes na Flip, e traz 43 contos, cada um de uma autora diferente. O ponto forte do livro foi deixar o formato dos textos ao gosto de cada

escritora, de modo que o leitor vai encontrar narrativas em prosa e verso.

 

Seria impossível, aqui, tecer uma crítica para cada um dos 43 textos, então selecionei alguns para que se tenha uma visão geral da obra. Mas ressalto que vale a pena conhecer os trabalhos individuais de cada uma delas. Vamos a alguns destaques:

Madresselva, da escritora e tradutora colombiana radicada no Brasil Ángela Cuartas. Este conto faz parte da coletânea de prosas homônima de Ángela, lançada em 2023 pela editora Diadorim, e conta a breve história de uma mulher que está tentando superar o fim de seu casamento e se isola numa casa velha, onde começa a redescobrir a graça da vida quando encontra uma garça ferida em seu quintal e começa a tratá-la.

Faca de matar porcos, da escritora, jornalista e caipira (como se descreve) Carolina Bataier. É a história de uma mulher simples, da roça, casada com um vendedor de porcos. A história é muito bem escrita, a ponto de você torcer por um final feliz para a mulher e para a porca que ela é forçada a sacrificar.

Vésperas, de Érika Gentile. Fala sobre as tentativas de reconciliação com o passado numa véspera de Natal, entre mãe e filha. Conto simples, porém tocante.

Ressaca, de Fabiane Guimarães. A história forte, triste, mas inspiradora de uma mulher que se entrega ao sonho de uma vida inteira, ao mesmo tempo que testemunha em silêncio a velhice invadindo sua vida como uma ressaca marítima.

Carne, da escritora, professora e poeta Geruza Zelnys. O conto é escrito em versos sem rimas, mas com um ritmo frenético, leve, colorido e sedutor como um encontro cheio de tesão de dois foliões num bloquinho de Carnaval.

 

Aspino e o boi, de Gessiane Nazario. Diferentemente do outros, este conto tem como protagonista um homem negro, Aspino, que num misto de coragem e revolta enfrenta um boi bravo no braço. A coragem feminina aqui, para não sair da temática geral da coletânea, fica a cargo da própria escritora ao utilizar o conto como denúncia da prática de expropriação de terras quilombolas por empreiteiras com seus projetos residenciais de luxo. Gessiane Nazario é mulher quilombola; professora; pós-doutoranda em História Comparada (UFRJ); Doutora em Educação (UFRJ); Mestra em Sociologia (UFF) e graduada em Pedagogia (UFF).

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Estrada de chão batido, de Jemima Alves. É a história comum da pequena Antônia, menina que é o retrato de muitas meninas pobres do interior do Brasil que deixam o lar ainda criança para trabalhar como empregada-babá-faz-tudo em casas mais abastadas.

As chiquitanas, de Jeovanna Vieira. O conto traz a história de mãe e filha ribeirinhas, na divisa do Acre com a Bolívia, enfrentando sozinhas uma vida selvagem, repleta de predadores (animais e bicho-homem).

A mosca, da atriz-performer, escritora-dramaturga, diretora e arte-educadora Letícia Bassit. É um texto diferente, instigante, apressado e muito bem articulado que deixa o leitor sem fôlego enquanto segue a personagem em uma fuga alucinada de si mesma.

O último manifesto, de Lulih Rojanski. Um dos maiores nomes da literatura "sem fronteiras" produzida no Amapá, Lulih traz um conto inspirado no caso real da feminista radical lésbica e escritora Valerie Solanas, que no dia 03 de Junho de 1968 atentou contra a vida do artista visual, diretor de cinema e produtor Andy Warhol.

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