Os gênios que moldaram a identidade literária do Brasil
Machado de Assis e Guimarães Rosa são como verdadeiros colossos, erguidos sobre os alicerces da genialidade e da maestria linguística, cujas obras transcenderam o tempo e moldaram a identidade literária do Brasil.
Em uma dança magistral entre o realismo e a ironia, Machado de Assis ergueu um império literário, imortalizando-se como um dos maiores escritores não apenas do Brasil, mas do mundo. Suas narrativas, marcadas por personagens profundos e um olhar penetrante sobre a alma humana, ecoam através dos séculos, desafiando convenções e inspirando gerações de leitores e escritores.
Já Guimarães Rosa, com sua prosa poética e inventiva, conduziu os leitores pelos recantos mais profundos e misteriosos do sertão brasileiro. Em suas páginas, o Brasil se revela em toda a sua complexidade, com seus mitos, tradições e conflitos, em uma linguagem que desafia os limites da compreensão e da expressão.
É nesse contexto que nos propomos a celebrar o legado desses dois gênios da literatura brasileira, em uma homenagem merecida aos mestres que forjaram os alicerces de nossa tradição literária e que fariam aniversário esse mês de junho, se estivessem vivos. Vamos mergulhar nas profundezas de suas obras, explorando sua influência duradoura e sua importância para as gerações presentes e futuras de leitores e escritores.
Machado de Assis: O mestre do realismo e da ironia
Machado de Assis, um dos maiores luminares da literatura brasileira, nasceu em 1839, no Morro do Livramento, Rio de Janeiro, em meio a uma família humilde. Sua infância, marcada por dificuldades financeiras e pela perda prematura dos pais, não antecipava o esplendor literário que viria a alcançar. Contudo, desde cedo, Machado demonstrou uma voraz sede de conhecimento, que o levou a frequentar bibliotecas e a absorver as obras dos grandes mestres da literatura mundial.
Sua ascensão como escritor foi meteórica. Iniciou sua carreira como aprendiz de tipógrafo e jornalista, antes de se tornar cronista, poeta e, finalmente, romancista. Em 1858, aos dezenove anos, publicou seu primeiro livro de poesia, Crisálidas (Martin Claret; 1858-2009), marcando o início de uma jornada literária que moldaria a identidade da literatura brasileira.
As obras de Machado de Assis são um verdadeiro tratado sobre a alma humana, onde o realismo se entrelaça com a ironia e o pessimismo, revelando as contradições e complexidades da condição humana. Seus personagens, tão reais e vívidos, são frequentemente marcados por suas fraquezas e egos, refletindo as nuances da sociedade brasileira da época.
Entre suas obras mais influentes, destacam-se Dom Casmurro (Via Leitura; 2015), uma intricada trama de ciúmes e paranoia, narrada pelo protagonista Bentinho, que suspeita da infidelidade de sua esposa Capitu; Memórias Póstumas de Brás Cubas (Via Leitura; 1881 - 2018), um marco do realismo brasileiro, onde o narrador, já morto, relata suas memórias de forma irônica e mordaz; e Quincas Borba (Principis; 2019), que explora as nuances da loucura e da ambição humana, através do personagem Rubião, herdeiro de um filósofo louco.
O impacto de Machado de Assis na literatura brasileira e internacional é indiscutível. Sua obra transcendeu fronteiras, influenciando escritores de diversas nacionalidades e gerando um legado que perdura até os dias de hoje. Sua perspicácia ao retratar as relações sociais e os dramas individuais ressoa ainda hoje, fornecendo insights profundos sobre a condição humana e sua complexidade.
No panorama literário contemporâneo, Machado de Assis permanece como uma referência incontestável, uma fonte inesgotável de inspiração e aprendizado para escritores e leitores em todo o mundo. Sua capacidade de capturar a essência da vida e da sociedade em suas narrativas o coloca no panteão dos grandes mestres da literatura, onde sua luz continua a brilhar com intensidade incomparável.
Imagem recriada eletronicamente pela Faculdade Zumbi dos Palmares (SP) para a campanha "Machado de Assis Real", em 2019.
Guimarães Rosa: O poeta do sertão e das palavras
Nas vastas planícies do sertão brasileiro, onde o sol escaldante encontra-se com a poeira dos caminhos, nasceu João Guimarães Rosa, em 1908, na cidade de Cordisburgo, Minas Gerais. Médico de formação, Guimarães Rosa trilhou um caminho incomum rumo à imortalidade literária, conjugando sua profunda conexão com o interior do país com sua paixão pelas palavras.
Após uma carreira inicial como diplomata, Guimarães Rosa dedicou-se de corpo e alma à literatura, revelando-se um mestre da linguagem poética e inventiva. Sua prosa é um verdadeiro rio que serpenteia entre as montanhas da narrativa, criando um universo único e envolvente que desafia as convenções e redefiniu os limites da narrativa brasileira.
É na linguagem de Guimarães Rosa que encontramos a verdadeira essência de sua genialidade. Cada palavra é escolhida com precisão cirúrgica, cada frase é um poema em si mesma, carregada de significados e nuances que só se revelam ao leitor mais atento. Sua capacidade de criar mundos inteiros a partir de um punhado de palavras é simplesmente extraordinária, como se cada página de suas obras fosse um portal para um universo paralelo, onde o sertão ganha vida e voz.
Entre suas obras mais emblemáticas, destaca-se Grande Sertão: Veredas (Companhia das Letras; 1956-2019), uma epopeia literária que narra as aventuras e desventuras do jagunço Riobaldo, em uma jornada épica pelo sertão mineiro. Considerada uma das maiores obras da literatura brasileira, Grande Sertão: Veredas é um mergulho profundo na alma do Brasil, onde mito e realidade se entrelaçam em uma teia complexa de significados.
Outras obras importantes de Guimarães Rosa incluem Sagarana (Global Editora; 2019), uma coletânea de contos que retrata a vida e os costumes do sertanejo brasileiro, e Primeiras Estórias (Global Editora; 2024), onde o autor explora temas universais como o amor, a morte e a solidão, em um estilo inconfundível.
O universo temático e estilístico de Guimarães Rosa é vasto e multifacetado, abrangendo desde as paisagens áridas do sertão até os recantos mais profundos da alma humana. Sua abordagem do sertão brasileiro é única, transcendendo estereótipos e clichês, para revelar a verdadeira essência da vida no interior do país.
Além disso, Guimarães Rosa mergulha fundo nas questões humanas universais, explorando os dilemas morais, as angústias existenciais e os conflitos internos que permeiam a condição humana. Sua obra é um convite para uma jornada interior, onde o leitor é desafiado a questionar suas próprias crenças e valores, em busca de uma compreensão mais profunda do mundo ao seu redor.
Guimarães Rosa, o poeta do sertão e das palavras, deixou um legado que transcende o tempo e o espaço, inspirando gerações de escritores e leitores com sua prosa poética e sua visão única do Brasil e do ser humano. Sua luz continua a brilhar intensamente, iluminando os caminhos da literatura brasileira e conduzindo os leitores em uma viagem inesquecível através das veredas do sertão e das nuances da alma humana.