Leitura, Educação e Cidadania:
Uma Conversa com Angela de Carvalho
Angela Maria Oliveira de Carvalho é uma figura inspiradora que tem dedicado sua vida ao incentivo à leitura, à promoção da educação e à defesa dos direitos das crianças. Como promotora de leitura, coordenadora do Angelita - Projeto Encontrar, Contar e Encantar, e autora do livro Pescadores de Sonhos (Cortez Editora; 2017), Angela traz consigo uma paixão contagiosa pela literatura e um compromisso inabalável com a transformação social. Ao longo dos anos, ela tem trabalhado incansavelmente para enfrentar desafios como o trabalho infantil, ao mesmo tempo em que promove atividades culturais e educativas que enriquecem a vida das crianças e jovens em todo o estado do Amapá. Nesta entrevista, Angela compartilha conosco um pouco de sua jornada, seus insights e suas esperanças para o futuro da leitura e da educação em nosso país.
O Zezeu: Fale um pouco sobre o “Angelita - Projeto Encontrar, Contar e Encantar”.
Angela de Carvalho: Vários contadores passaram a ir ao Museu da Fortaleza de São José de Macapá dando início ao Movimento de Contadores de Histórias, após uma oficina de contação de histórias realizada pela Fundação Municipal de Cultura para festejar o aniversário de Macapá em fevereiro de 2013. Eu também participava dessa programação de fim de tarde, que acontecia sempre aos domingos. Ocupava ainda o cargo comissionado de Gerente de Acompanhamento da Política Estadual do Livro,
Leitura e Literatura - na Secretaria Estadual de Cultura. Daí que entendi que estes encontros para contar histórias ao mesmo tempo em que me sentia bem por estar prestando um serviço ao público que frequentava a Fortaleza, vivenciava um laboratório para meu aprimoramento na arte de contar/ler histórias. Por todo o ano de 2014, preparava um repertório de histórias para encontrar com os visitantes do monumento, e ali contava para uma, duas, quantas pessoas estivessem dispostas a ouvir uma ou mais histórias. No início de 2015, exonerada do cargo, solicitei à artista plástica Bárbara Damas a criação de um logo que representasse esse meu projeto de encontrar pessoas e contar. Assim nasceu essa marca, “ Angelita – Projeto encontrar, contar e encantar” que passou a ter esse sentido do “encontro” pra ouvir e contar histórias e ainda de encantar as crianças para a descoberta das histórias impressas naqueles objetos: Os livros!
OZ: Quais são os principais desafios e oportunidades ao promover políticas públicas de leitura e literatura voltadas para crianças e jovens?
AC: Os desafios são os de buscar um equilíbrio entre nosso fazer artístico, a vontade de levar este serviço à comunidade escolar e outras instituições comunitárias e de, ao mesmo tempo, precisar argumentar/lutar por uma remuneração justa a esse trabalho. Nem sempre há o reconhecimento por gestores como um serviço que precisa de planejamento, orçamento específico para realização periódica. Ainda não temos esta política pública de Estado, temos alguns avanços, mas ainda lentos. A oportunidade de estar em contato com crianças e jovens e contribuir com a formação dessa nova geração entendo como privilégio.
OZ: O que motivou seu engajamento na prevenção e erradicação do trabalho infantil? Como suas atividades educativas e oficinas abordam essa questão de forma eficaz?
AC: Em minha formação acadêmica no curso de Ciências Sociais, um dos primeiros textos lidos foi “O compromisso do profissional com a sociedade”, do livro Educação e Mudança de Paulo Freire. Este texto norteou minhas escolhas profissionais. Em 1984 tão logo havia me formado e retornado ao Amapá, trabalhei no Governo do então Território mas, abdiquei do emprego por considerar o serviço público moroso demais. A burocracia que lhe é pertinente, lentidão que não acompanhava minha vontade de contribuir para mudanças, me fez adoecer. Então em 1988 fiz a escolha de abrir uma livraria, a Transa Amazônica Livros, por acreditar
no potencial dos livros e na formação de uma sociedade leitora. Na livraria me vi exercendo uma função política em minha aldeia – Macapá.
OZ: Qual é a importância da literatura e da educação na luta contra o trabalho infantil?
AC: Ela contribui para a formação de uma consciência – e alcança algumas vezes os adultos também, de que infância é tempo de brincar, ler e não de trabalhar.
OZ: Como foi o processo de escrever seu livro "Pescadores de Sonhos"? Quais foram suas principais inspirações e desafios durante esse processo?
AC: Minha inquietação no sentido de contribuir para a sociedade – a socióloga presente outra vez. Ao fechar a Transa Amazônica Livros, em 2012 busquei uma forma de participação social e o Fórum de Resíduos Sólidos e o Fórum de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FEPET-AP, foram duas instâncias em que me senti à vontade para esta participação, como representante da sociedade civil. Em 2013 o FEPETI-AP, realizou caravanas nos municípios do estado, onde eram realizadas audiências públicas e os vários Órgãos Públicos realizavam oficinas dentro de suas especificidades, eu preparei oficinas de Rodas de leitura com uma publicação de HQ do próprio MPT e o livro Trabalho de Criança Não é Brincadeira, Não! de Rosana Ramos e Priscila Sanson – da Cortez Editora. Nas rodas de avaliação sempre pensávamos na necessidade de um texto que alcançasse os adultos que trabalharam em sua infância, e as crianças e jovens, com uma linguagem nossa, local. A história do Pescadores de Sonhos começou a me rondar, foi assim que após a Caravana eu iniciei essa escrita, que vez por outra eu revisitava, retirando excessos e inserindo coisas novas, após a leitura para pessoas próximas. Esse processo de “idas ao texto” durou 3 anos, até que enviei o original à Cortez Editora. Às vésperas do 12 de junho de 2017, fui apresentada a procuradora Ana Stumpf, que leu o original e me convidou para uma contação de histórias na Praça do Barão. Após a leitura, informei que o texto estava na Editora Cortez aguardando o momento para publicação. E assim foi que o MPT-PAAP, providenciou a impressão da primeira edição de 3.000 (três mil) exemplares para distribuição gratuita em escolas e bibliotecas.
OZ: Você poderia compartilhar um pouco sobre o e-book "Sonhos de Assis e Jonielson: Um livro pra chamar de meu" e como ele se relaciona com seus outros trabalhos?
AC: Sonhos de Assis e Jonielson: Um livro pra chamar de meu é a continuação do Pescadores de Sonhos, onde os meninos já são leitores e frequentadores de bibliotecas. Realizam intercâmbio com jovens da Carolina do Norte para aprender outra língua e ensinar o português e participam de um Salão do Livro no município de Mazagão. Um encontro onde os embaixadores e embaixadoras – crianças de 8 a 12 anos, dos 16 municípios do Amapá contam as histórias do seu lugar e ao final do evento recebem um exemplar de livro Pra Chamar de Meu, ou "de seu", não é?. A narrativa tem a intenção de motivar novos narradores, contadores e/ou
escritores - a cadeia criativa e produtiva do livro e literatura é vivenciada. Com a abertura de um edital pelo Governo do Estado para publicações, em 2020 – Lei Aldir Blanc, o projeto foi escrito, inscrito e contemplando. Através do projeto foi viabilizado o pagamento dos demais envolvidos na cadeia – ilustrador – diagramadora – bibliotecária e o produtor cultural – está disponibilizado na plataforma ISSU, gratuito.
OZ: Quais são os benefícios das atividades culturais e educativas, como contação de histórias e oficinas, para as crianças e jovens?
AC: Vou citar Bartolomeu Campos de Queirós, que inspira meus fazeres: “No texto literário autor e leitor se somam e uma terceira obra, que jamais será editada, se manifesta. A literatura, por dar voz ao leitor, concorre para sua autonomia. Outorga-lhe o direito de escolher seu próprio destino. Por assim dizer, a leitura literária cria uma relação de delicadeza entre homes e mulheres. Uma sociedade delicada luta pela igualdade dos direitos, repudia as injustiças, despreza os privilégios, rejeita a corrupção, confirma a liberdade como um direito que nascemos com ele”. É o que me move ao contar histórias e escrever.
OZ: Como você avalia o impacto dessas iniciativas na promoção da leitura e no desenvolvimento educacional das crianças?
AC: Creio que a resposta da pergunta anterior contempla esta também, mas cito novamente Bartolomeu que diz ainda no mesmo texto “Pela leitura literária nos descobrimos capazes também de sonhar com outras realidades”.
OZ: Como você estabeleceu parcerias com instituições como o Ministério Público e o Tribunal de Justiça para promover suas iniciativas? Quais são os resultados mais significativos que você alcançou por meio dessas parcerias?
AC: Os trabalhos realizados no Tribunal de Justiça, foram consequência dos meus fazeres. Recebi um convite para que eu realizasse o que que já vinha fazendo, proporcionar o acesso aos livros e motivar novos leitores.
Com o MPT, como eu disse anteriormente, a minha presença no FEPETI, a vivência da Caravana do Norte de Prevenção ao Trabalho infantil gerou esta "confluência", no dizer de Nêgo Bispo. O resultado mais significativo é encontrar com os jovens que participaram dessas iniciativas e receber um abraço de reconhecimento e agradecimento. E saber que estão bem encaminhados.