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Medo

Luíz Horácio

Calor, meio da tarde, uma mulher me segue. Já faz tempo. Sei que me segue há vários dias, só agora pude vê-la. Mesmo rapidamente pareceu-me muito bonita. Muito bonita, quase linda. Assustadoramente linda.


Entro no bar, ela também entra. Sento junto ao balcão, ela senta ao meu lado. Olho em frente, o barman espera que eu faça o pedido.

Aponto para a mulher ao lado. Ele dirige-se a ela que, por sua vez, aponta para mim.

 

Sinto medo, por que ela não fala? Lembra minha prima morta. Será?

 

Alguém acena, o barman se afasta. De longe continua a nos olhar. Ele também não fala. Por que ninguém fala? Por que não falo, também? Queria saber mais coisas a meu respeito. Não consigo.

 

A mulher ao meu lado me olha. Eu sinto. Não escuto sua voz, sinto seus olhos percorrendo meu corpo. Como ela consegue? Quero olhar, não consigo. Tenho medo. E se ela estiver morta?

 

Vou olhar…vou olhar…vou olhar. Quando faço menção de virar em sua direção sinto que me puxam pelo braço. Volto o olhar, é uma criança, ainda não tem dez anos, ela fala, me chama de pai.

 

A mulher ao lado, passa a mão em meus cabelos, não consigo deixar de olhar a criança, olhar bem no fundo de seus olhos negros. Pai, ela repete.

 

Pede que me aproxime, ela sussurra em meu ouvido: mamãe morreu.

 

Não chora, eu choro. A mulher ao lado continua a acariciar meus cabelos, completamente ignorada pela menina. Quero falar. Não consigo.

 

A menina pede para me aproximar. No meu ouvido: e agora?

 

Faço um sinal para o barman que se aproxima. Aponto para a mulher ao meu lado. Ela não larga meus cabelos. Mas fala: duas taças de vinho. Bordeaux.

 

Está viva, pensei. Sim, os mortos não falam.

 

Encosta seus lábios em meu ouvido: Luiz, mamãe morreu. E agora?

 

Olho para baixo, à minha esquerda, a menina me olha. No outro lado, sentada, a mulher mais linda que já vi, me olha. Sem encostar ao meu ouvido: Vamos brindar?

 

A quem, pergunto. À mamãe, ela responde. E a criança? pergunto.

 

Sou eu, ela responde.

 

Esvazio minha taça num gole. Ela pede calma.

 

Quem é você? pergunto com medo. Sua filha, não lembra? Annie.

 

Annie, mas… mas você morreu.

 

Ela responde negativamente e acrescenta que o morto sou eu.

 

Olho para o lado, para baixo, a menina: não chora, não chora... papai, cadê mamãe?

 

E agora? eu pergunto encostando os lábios no ouvido de Annie.

 

Volte, ela diz. Eu pergunto para onde.

 

Ela me beija, segura minha mão. Venha...venha conosco.

 

A menina que segurava minha mão direita faz sinal para me abaixar.

 

Ela encosta os lábios em meu ouvido: papai, mamãe não morreu, não é?

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