A meta-literatura de Rafael Senra
Publicado pela Editora Urutau, Meu Personagem no Divã (2024), de Rafael Senra, é um romance audacioso, que mergulha fundo na metalinguagem, explorando as fronteiras entre realidade e ficção com muita destreza.
A narrativa acompanha Paulo, um psicólogo que escreve sobre Augusto (Guto), um homem solitário cuja vida ganha um novo contorno ao receber uma carta misteriosa. A partir deste ponto, a trama se desdobra de maneira inesperada quando Paulo encontra um paciente que é a viva personificação de seu personagem literário.
Rafael tece um enredo repleto de coincidências inquietantes e situações que desafiam a lógica, criando um thriller envolvente, curioso e cômico. A relação entre Paulo e Sérgio, seu editor, adiciona camadas de tensão e ironia, enquanto ambos tentam desvendar o enigma de Guto. A suspeita inicial de Paulo de que Sérgio esteja pregando uma peça logo se dissipa, dando lugar a uma colaboração desesperada e, eventualmente, a um plano insano de contratar um assassino de aluguel para eliminar o misterioso paciente.
O livro se destaca pelo seu uso habilidoso da metanarrativa, convidando o leitor a questionar constantemente a natureza do que é real. A escrita de Rafael é leve e fluida, capaz de capturar a imaginação do leitor e transportar-lhe para dentro das cenas descritas.
A narrativa é rica em reviravoltas, em uma dança contínua entre situações cômicas e o suspense. As descrições são vívidas, e a sensação de confusão dos personagens é transmitida de forma tão autêntica que o leitor se vê igualmente perdido na teia de eventos.
Além do enredo principal, Meu Personagem no Divã também aborda questões pertinentes ao mundo literário e à sociedade brasileira contemporânea. O desejo de reconhecimento de Paulo, a luta de Sérgio para manter sua editora e a crítica à leitura superficial da sociedade moderna são temas que permeiam a obra, adicionando profundidade e relevância ao romance. Rafael não se limita a contar uma história intrigante; ele também oferece uma reflexão sobre a relação das pessoas com a literatura e a busca de sentido em um mundo onde a leitura profunda parece estar em declínio.
O personagem de Paulo é um destaque à parte. Ateísta e irônico, sua visão de mundo é marcada por um ceticismo que contrasta com as situações surreais que ele enfrenta. Esse contraste gera um dinamismo único na narrativa, onde a incredulidade de Paulo frente ao fantástico serve como um espelho para o leitor, ampliando a sensação de estranheza e desafio às noções de realidade.
Em Meu Personagem no Divã, o elemento fantástico não é simplesmente aceito, mas constantemente questionado e temido, diferindo do realismo fantástico tradicional. Isso cria uma tensão contínua e um senso de alerta, tanto para os personagens quanto para o leitor.
A obra de Rafael não oferece respostas fáceis, mas um convite para um jogo literário onde cada página vira uma nova peça no quebra-cabeça.
Com sua trama engenhosamente elaborada, personagens que despertam a nossa curiosidade e uma escrita que brinca com as convenções literárias, Meu Personagem no Divã é uma leitura obrigatória para aqueles que apreciam histórias que desafiam as expectativas e expandem os limites da imaginação.
Rafael Senra entrega uma obra que é ao mesmo tempo uma crítica social e um exercício lúdico de metanarrativa, mantendo o leitor em um estado constante de fascinação.